domingo, 4 de novembro de 2018

80 anos de "A Guerra dos Mundos": entrevista com HG Wells e Orson Welles





Em 2016, uma das mais famosas histórias de ficção científica de todos os tempos ganha uma nova edição, em livro de capa dura, no Brasil. Trata-se de “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells, escrito originalmente em 1898. Essa história se torna ainda mais conhecida do grande público após a tão comentada e estudada adaptação que ganha em 30 de outubro de 1938, em forma de radioteatro. Na ocasião, Orson Welles dirige a dramatização que leva pânico aos ouvintes da rádio CBS, nos Estados Unidos.

Na nova edição do livro, a introdução é feita pelo escritor e pesquisador de literatura fantástica, Bráulio Tavares. Ele afirma que “Os marcianos de Wells são o primeiro retrato do alienígena como encarnação do Outro, do Estranho, de tudo que representa o nosso medo diante do desconhecido, e principalmente de um desconhecido que nos provoca repulsa”.

Não apenas em “A Guerra dos Mundos”, mas em boa parte da literatura que publica entre 1895 e 1901, HG Wells trata de dissolução social, da emergência de incômodos novos mundos, de velhos mundos forçados a se dobrar.

Em 1940, dois anos após a transmissão pela CBS de “A Guerra dos Mundos” no Radioteatro Mercury, em Nova Iorque, Orson Welles e HG Wells se encontram em uma entrevista. É este outro momento relevante do rádio que você acompanha a partir de agora com nossa devida e respeitosa Interferência. 



Da esquerda para a direita: Sérgio Miranda, Marcelo Abud, Silvania Alves, Marcelo Duarte e Warde Marx

Acompanhe outros conteúdos ligados ao radioteatro "A Guerra dos Mundos" no blog Peças Raras:






Abaixo, o roteiro utilizado na reconstituição deste sábado, dia 03 de novembro de 2018:

Silvania Alves – SA – Apresentadora
Marcelo Duarte – MD – Entrevistador / Charles Shaw
Warde Marx – WM – Orson Welles
Sérgio Miranda – SM – HG Wells

SA                              Olá, senhoras e senhores. A nossa emissora (KTSA) tem a honra de receber dois homens ilustres: o celebrado H.G.Wells, escritor e historiador inglês de renome mundial e pesquisador de assuntos internacionais; e o sr. Orson Welles, o gênio dos palcos, das telas e do rádio.
                        Esta é a primeira vez que os dois se encontram, mas esta não é a primeira vez que os nomes deles se cruzam. Dois anos atrás, Orson Welles adaptou o livro “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells, para transmissão radiofônica.
                        Com uma ligeira revisão da trama, Orson descreve uma invasão dos Estados Unidos promovida por homens de Marte. Embora ele tenha explicado diversas vezes ao longo do programa que o relato era fictício, grande parte do país fica apavorada. Homens telefonam para estações de rádio e se oferecem para o alistamento contra os marcianos, e outras pessoas são tomadas de pânico.  
                        O realismo da produção, de tal modo assustadora, foi um tributo à genialidade do sr. Orson Welles. E foi assim que os nomes Wells, de H. G. Wells e Orson Welles, se associaram. Ambos estão aqui na cidade de San Antonio para participar de diferentes eventos. E o nosso apresentador Charles Shaw está no estúdio 2 para conversar com eles a partir de agora. Olá, Charles.
MD                 Olá, Sil. Neste encontro entre grandes mentes, sinto-me um tanto quanto ofuscado. E, quanto menos eu disser, mais você, nosso ouvinte, vai apreciar. Mas, antes, eu poderia gostaria de oferecer ao nosso dileto ouvinte uma discussão sobra a transmissão radiofônica do livro “A Guerra dos Mundos”, do sr. H. G. Wells, feita pelo sr. Orson Welles...
WM                 O senhor está transferindo a entrevista para nós?
MD                 Estou.
SM                  Ele está transferindo para nós. Pois bem, eu vivi uma série de experiências maravilhosas desde que cheguei aos Estados Unidos, mas o melhor que me aconteceu até o momento foi conhecer meu jovem xará aqui, Orson. Agradabilíssimo, ele porta meu nome e um E extra que espero que suprima no futuro, ao constatar que não cumpre nenhum propósito. Conheço seu trabalho desde antes desse acontecimento sensacional de dia das Bruxas. Vocês têm certeza de que houve tanto pânico no país, ou será que foi uma brincadeira de Halloween?
WM                 Acho que esta é uma das coisas mais gentis que um homem da Inglaterra poderia dizer sobre os homens de Marte. O sr. Hitler se divertiu bastante com aquilo, sabia? Ele até falou dela no Grande Discurso de Munique. E havia balões e um desfile nazista mostrando...
SM                  Ele não tinha muito o que falar.
WM                 É verdade, [risos] ele não tinha muito o que falar. E é um sinal da condição corrupta e do estado de decadência das democracias o fato de que “A Guerra dos Mundos” teve a dimensão que teve. Acho que é muito gentil da parte do sr. H. G. Wells dizer que não só não era minha intenção, como também que não era intenção do povo norte-americano.
SM                  Essa foi a nossa impressão na Inglaterra. Houve reportagens, e as pessoas diziam: “Você nunca ouviu falar do Dia das Bruxas na América, quando todo mundo finge que está vendo fantasmas”?
[AMBOS RIEM]
MD                 Houve um pouco de agitação, não posso minimizar a dimensão da agitação, mas acho que as pessoas superaram muito rápido, não?
WM                 Que tipo de agitação? O sr. H. G. Wells quer saber se a agitação não foi do mesmo tipo de agitação que temos quando fazemos brincadeiras, quando alguém pendura um lençol na cabeça e fala “bu”.
Acho que ninguém acredita que essa pessoa seja um fantasma, mas a gente grita e sai correndo pela casa. E foi mais ou menos isso o que aconteceu.
MD                 Essa é uma descrição muito boa de tudo.
SM                  Vocês não são ainda muito sérios na América, a guerra e suas consequências ainda não estão debaixo de seus narizes, e vocês ainda podem brincar com ideias de terror e conflito.
WM                 O senhor acha que isso é bom ou ruim?
SM                  É uma postura natural até o momento em que vocês se virem diante de tudo.
WM                 E aí tudo deixa de ser brincadeira?
SM                  E aí tudo deixa de ser brincadeira, caro Orson.
MD                 Agora eis uma ideia: alguns textos do sr. H. G. Wells foram rotulados de fantásticos há alguns anos, e é bem possível que tenham sido concebidos como tal. Uma dessas fantasias é o livro “O aspecto do que está por vir”, por exemplo. Mas, sr. Orson Welles, você acha que essa é uma história fantástica diante do que estamos vendo nos dias de hoje? 
WM                 Certamente não é fantástico. E uma questão que o senhor mencionou, não só em “O aspecto do que está por vir”, mas em outras sugestões ou em previsões diretas, é que após uma guerra destruidora temos um retorno ao feudalismo, algo que o mundo verá de novo.
E hoje, na apresentação do sr. H. G. Wells, ele disse algo – e não ouço nada tão interessante há muito tempo -, ele disse que, recentemente, começou a se perguntar se existe algum motivo para que a humanidade emule a fênix e saia de sua própria desgraça. Ele propôs algumas soluções, mas admitiu que elas podiam ser uma desculpa para um ponto de vista pessimista. Seria bom encarar a situação com realismo e não ignorar mais o ponto de vista pessimista. Talvez tenha chegado a hora de olharmos para a frente, para o futuro, o futuro do sr. H. G. Wells, que sempre adoramos e nunca chegamos a compreender que, de repente, se encontra diante de nós. E estamos hoje vivendo aquele famoso futuro de H.G. Wells que todos conhecemos.
MD                 Com essa incrível reflexão de Orson Welles, que está preparando um filme que promete dar o que falar e que, muito em breve, poderemos conferir no cinema, intitulado “Cidadão Kane”, eu encerro essa nossa conversa por aqui. Muito obrigado a você que segue agora com nossa programação.



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