domingo, 27 de setembro de 2020

70 anos de TV: os pioneiros que vieram do rádio

#PraCegoVer #PraTodosVerem: Foto antiga, com dezenas de profissionais da rádio e da TV Tupi, em 1950, diante do prédio onde a televisão foi inaugurada, no Sumaré, em São Paulo. Todos estão elegantemente vestidos, com destaque para as mulheres à frente, com bolsas vistosas. 

Hoje, 18 de setembro de 2020, a TV brasileira comemora 70 anos no Brasil. Tudo começou com o "Show na Taba", da TV Tupi. Acompanhe o depoimento de Lima Duarte, que estava nessa primeira transmissão.



A publicidade na era da TV ao vivo
E os comerciais de TV nos anos 50, como eram? Até o surgimento do videotape na década seguinte, prevalecia a programação ao vivo, inclusive na publicidade, que contava com as garotas-propaganda. No entanto, havia exceções, como as que você pode ver no vídeo abaixo:



Os pioneiros
Confira também uma edição especial produzida para o podcast Peças Raras, com lembranças dos pioneiros Lima Duarte, Hebe Camargo e Cassiano Gabus Mendes sobre a chegada da TV no Brasil. 


AMIGOS, TARDES E PETECAS
(Lima Duarte)

A gente chegou para jogar peteca – Hebe Camargo, Lolita Rodrigues, Walter Forster, Heitor Andrade, Dionísio Azevedo, Ribeiro Filho, Osni Silva e eu. Todos grandes amigos. 

Era de tardezinha e isso aconteceu num tempo em que ainda existiam amigos, tardes e petecas... Um sujeito lá virou para nós e disse: “Não! Não podem mais jogar aqui!” O Osni Silva, que era o mais destemperado, perguntou: “Não pode por quê?” E o homem respondeu: “Porque nós vamos limpar este terreno e amanhã começamos a furar tudo para fazer a televisão.”

Era 1948 e eu trabalhava lá desde 1946. Tudo comprovado e atestado em minha carteira profissional. Eu tinha 16 anos e chegara de Minas Gerais, mais precisamente de Desemboque, em 1946, de maneira que a televisão veio estragar o nosso campo de peteca. Furaram, arrebentaram tudo e construíram a primeira emissora de televisão da América Latina, a TV Tupi Difusora de São Paulo. A segunda foi a TV Cubana, inaugurada no mesmo ano, mas no mês de novembro. A Tupi era de setembro, 18 de setembro mais precisamente. O Walter Forster morreu sustentando que a primeira fora a Cubana e que Havana naquela época era o bordel dos americanos; então, nada mais natural do que a existência de uma TV num bordel. Eu estive em Havana, não a do Fulgêncio (o bordel), mas a do Fidel, um povo íntegro, digno e corajoso, e comprovei que a televisão brasileira é dois meses mais velha.

Tudo isso porque eu considero importante que saibam do contexto em que tudo aconteceu. O contexto era este: amigos, tardes, petecas, e é bom que saibam que eu estive lá desde o começo, ou antes do começo.

Quando a televisão ficou pronta, instalou-se um problema: quem seria o primeiro diretor artístico da América Latina? Existiam três candidatos (eu gosto muito de pensar que televisão seria essa, se um dos outros dois tivesse sido o escolhido): Walter George Durst, Túlio de Lemos e Cassiano Gabus Mendes. Venceu o último, que, uma vez escolhido para ser o diretor, disse: “Eu exijo que o meu assistente seja o Lima Duarte.” Eu gritei: “Opa! Que é isso, está querendo me estrepar? Vou deixar de ser o melhor sonoplasta da Rádio Tupi Difusora para ser diretor de televisão? De jeito nenhum.” Foi então que ele escolheu o Luiz Gallon e, como assistente do Gallon, o Luiz Gustavo, seu cunhado.

É realmente verdadeira aquela história que contam até hoje de que no dia 18 de setembro, depois da inauguração, houve um jantar. Já na sobremesa e antes do cafezinho, o Cassiano perguntou: “Ih... e amanhã o que é que a gente põe no ar?!” Saímos correndo aos consulados para ver quem tinha algum filme para ser exibido na televisão e achamos uma porção: filmes sobre história natural, biologia, Cubismo, os perigos da doença venérea, os males que a sífilis traz e Marshall McLuhan; enfim, uma televisão muito louca.

Um ano depois desse happening, em 1951, o Cassiano teve a idéia de fazer uma telenovela, pois é bom que se diga que a televisão no Brasil foi implantada e sustentada por gente de rádio. Nem jornalistas, nem intelectuais, nem o pessoal do teatro, nem a comunidade universitária, ninguém tomou conhecimento e, nós, os do rádio-teatro, tocamos aquilo. Nada mais natural do que a adaptação de uma novela de rádio para a televisão. Foi quando aconteceu o tão falado fenômeno Sua Vida me Pertence, de Walter Forster, interpretada pelo Walter e pela Vida Alves.

Nessa telenovela apareceu não só o primeiro beijo, mas também o primeiro bandido, o primeiro delegado, o primeiro médico, o primeiro pai, a primeira mãe, o primeiro amor, o primeiro desengano, a primeira esperança, a primeira lágrima, a primeira insídia e o primeiro final feliz, com o tal beijo; enfim, tudo o que existe nas novelas até hoje. O engraçado nesse primeiro beijo é que a autoridade de plantão o proibiu, argumentando: “Não. As televisões entram nos lares e esses lábios unindo-se em lascívia, penetrando o recôndito do lar brasileiro, vão ofender a moral da família.” Bem, era um tempo em que ainda existiam famílias, lábios e lascívia. Os autores disseram: “Não. O beijo é necessário”, e os atores disseram que também queriam beijar. O general insistiu: “Não.” O juiz também disse: “Não.” O bispo fez eco: “Não, não e não. Ainda se fossem americanos, mas são brasileiros beijando-se com bocas brasileiras, isso nunca.” No dia do último capítulo que iria ao ar à oito horas da noite, houve uma reunião na sede da censura para a decisão do beija ou não beija. Só às seis horas saiu o veredicto. “Beija, mas de boca fechada.” Essa foi a melhor história da primeira telenovela ainda não diária. Eu estava lá e era o bandido. 

O mais curioso, e que talvez mereça mesmo uma análise, foi a segunda telenovela. Um êxito enorme! Claro, só havia nós no ar e a novela era rural, já a segunda... Chamava-se Sangue na Terra, de Péricles Leal, ele também um intelectual, paraibano, filho de Simião Leal, jurista, ficcionista, um homem de letras. A novela passava-se na Serra de Borborema e contava a história de Antonio Silvino, o maior cabeça de jagunço que jamais houve, sob o comando de quem o iniciou no cangaço, Virgulino Ferreira, o Lampião.

Se for verdade que o Brasil passou da sociedade rural à sociedade urbana, ou se está passando em apenas cinqüenta anos, não menos verdade é que o brasileiro ficou com um pé na roça, e desse pé na roça surgiram novelas lindas! Entre as dez melhores eu destacaria umas sete de ambientação rural; a primeira em cores, O Bem Amado, na qual eu também estava, pois era o Zeca Diabo; a primeira da “nova República”, Roque Santeiro, em que eu estava também, fazendo Sinhozinho Malta. 

Para concluir, a novela que marcou aquele período inicial foi mesmo O Direito de Nascer, também dirigida por mim. Uma novela rigorosamente genial. Como era novela de rádio cubana, transportada para televisão e para o Brasil, eram necessários muitos acontecimentos. Para falar dela, aproveito Umberto Eco em Viagem na Irrealidade Cotidiana:
“(...) é preciso colocar tudo e para colocar tudo é preciso escolher no repertório do já comprovado. Quando a seleção do já comprovado é limitada, tem-se a série maneirista, o seriadozinho e até mesmo o kitsch, mas, quando do já comprovado se coloca tudo, tem-se uma arquitetura como a da igreja Sagrada Família, de Gaudí. Fica-se com vertigem, esbarra-se na genialidade”.

Depois de O Direito de Nascer, uma pá de cal despencou sobre os barões, filhos naturais, sinhazinhas, babás remanescentes da escravidão, coronéis furibundos. Essa pá de cal chamou-se Beto Rockfeller, de autoria de Bráulio Pedroso, na época editor do suplemento de O Estado de São Paulo, que desenvolveu a novela baseado numa idéia de Cassiano Gabus Mendes para a interpretação de Luiz Gustavo e direção de Lima Duarte. Assim, só me restava mesmo ir para a TV Globo, emissora em que estreara o segundo grande executivo de televisão: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que contratou a equipe de Beto Rockfeller para fazer na Globo uma revolução, O Bofe, a mais anárquica de todas as telenovelas, escrita pelo mesmo Bráulio Pedroso. Mas revolução não se encomenda, acontece, e a novela acabou não obtendo o sucesso esperado. Eu ainda tinha um mês de contrato a cumprir e fui obrigado a fazer um papel episódico na primeira novela em cores, O Bem-Amado. Iria participar de cinco capítulos apenas, mas o Zeca Diabo não pôde sair – o público obrigou-os a mantê-lo até o fim da trama e matar Odorico Paraguaçu, que inaugurou o cemitério de Scucupira.

Bem, esse foi o começo das telenovelas. Agora se diz que os reality shows ocuparão, na afetividade popular, o lugar das telenovelas. Eu gosto da idéia de que essa nova maneira de contar histórias venha a substituir a antiga. Se for verdade que cada movimento considerado artístico empurra o anterior para o território da arte absoluta, assim como a dança empurrou a música, o teatro empurrou a dança, o cinema empurrou o teatro e o teleteatro empurrou o cinema, que bom se os reality shows nos empurrarem mesmo para o recôndito universo das grandes histórias que contam com grandeza, sabedoria, ternura e beleza a história de um povo e seu destino.

Escrito por Lima Duarte – Prefácio do livro 
“A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil”, de Mauro Alencar.

Interferência especial - Humor no Rádio

No dia 26 de setembro de 2020, o “Olá, Curiosos!”, programa que dá continuidade ao “Você é Curioso?” – atração que permaneceu 19 anos no ar pela Rádio Bandeirantes -, tratou de “humor no rádio”.

O recorte foi feito com atrações radiofônicas que fizeram e fazem sátira ao próprio rádio. O destaque principal foi a participação do elenco do “Meio Rádio – podcast de humor”: Caetano Cury, Hugo Vecchiato e Leandro Gouveia. A edição completa, que aliás está imperdível, pode ser acompanhada neste link.

No vídeo abaixo, você confere como foi o quadro Interferência, em que falamos sobre o pioneirismo do PRK-30; da Rádio Camanducaia; do personagem de Chico Anysio, Roberval Taylor e ainda o registro de uma “pegadinha” feita com Salomão Ésper.


Quando o rádio satiriza o rádio

Antes do rádio, esquetes humorísticas já eram comuns no chamado teatro de revista, que trazia crítica aos costumes e sátira política.

Gravações de discos em teatros, com música e piadas, também foram importantes para inspirar a linguagem do humor no rádio.

Cornélio Pires registrou em dezenas de livros o jeito de falar, as músicas e expressões usadas pelos caipiras e foi responsável por lançar as primeiras gravações em disco de música caipira, há quase 100 anos.

Depois que se aposentou do jornalismo, passou a viajar pelo país com seu TEATRO AMBULANTE CORNÉLIO PIRES. Nos causos de Cornélio Pires, o caipira sempre dava um nó em quem se achava esperto, como os políticos.

 

PRK-30

Nas décadas de 1930/40, no Rio de Janeiro, o produtor Renato Murce criou, apresentou e produziu diversas atrações. Uma delas, Piadas do Manduca, reunia no elenco, além do próprio Murce, Brandão Filho, Lauro Borges (Manduca) e Castro Barbosa.

Dali nasce o PRK-20, exibido na Rádio Clube do Brasil. Nos anos 40, a dupla é contratada pela Mayrink Veiga e na nova emissora passa a se chamar PRK 30. Castro Barbosa era o Megatério Nobabo do Alicerce e Lauro Borges, Otelo Trigueiro. Em algumas edições, José Vasconcelos participou como substituto de um dos dois.

PRK-30 satirizava programas de rádio de grande audiência à época, como “Ginástica no Rádio” (Osvaldo Diniz), “Repórter Esso” e “Calouros em Desfile”. Em 45, a atração passa a ser veiculada na Nacional, do Rio, e em 1950 ganha uma temporada na Rádio Record de São Paulo.

 

Rádio Camanducaia

Pai dos programas que misturam humor e futebol, o “Show de Rádio”, uma criação de Estevam Sangirardi, estreou em 1969, na Jovem Pan.

Além de personagens que representavam os times (Comendador Fumagale; Noninha; Lorde Didu du Morumbi;  o mordomo Archibald; O Joca e a Nega; Zé das Docas e Lança-Chamas), uma atração se destacou no Show de Rádio: a Rádio Camanducaia – que falava para a cidade e cochichava para o interior.

Tudo começa quando Odayr Baptista entra no lugar de Eduardo Leporace na equipe do programa. Ele mostrou a ideia da Rádio Camanducaia para Sangirardi quando ainda estava na Bandeirantes, na apresentação do “Arquivo Musical”.

A ideia do nome veio quando Odayr foi a Poços de Caldas e na estrada viu um caminhão em que estava escrito “Água Camanducaia”. Ele achou sonoro e ficou com o nome na cabeça.

No quadro do “Show de Rádio”, a imitação de Fiori Giglioti e os famosos reclames publicitários eram algumas das marcas. A inspiração vem de casas comerciais que existiam em Poços de Caldas, quando ele era criança e ouvia o rádio da região.

No player abaixo ou neste link, você acompanha o episódio 14 da atual temporada do podcast Peças Raras, em que a Rádio Camanducaia e o Meio Rádio foram os destaques: 

 

CHICO ANYSIO E ROBERVAL TAYLOR

Criado nos anos 70 por Arnaud Rodrigues, o personagem Roberval Taylor fez parte de vários programas do Chico Anysio.

O locutor da rádio de Chico City foi inspirado no apresentador de um programa de muito sucesso nos anos 70, O Poder da Mensagem: Hélio Ribeiro (nome artístico de José Magnoli, falecido em 6 de outubro de 2000).

O ponto de partida de Chico era de que todo locutor do interior tem um ídolo na cidade grande. É quando coloca a voz de Hélio Ribeiro no Roberval. A peruca que escolheu era parecida com o cabelo do Hélio, que Chico Anysio só conhecia de ouvir na rádio Bandeirantes.

Hélio não gostou nada da brincadeira, que Chico tinha imaginado como uma homenagem. Na autobiografia que escreveu no anos 90, Chico afirma que Hélio “Andou telefonando, prometeu dar uns Tiros, reclamou muito”.

Deu pano pra manga e chegou a ser noticiado que Chico Anysio havia sido ameaçado de morte, em revistas como a TV Tudo.  

Chico Anysio explicou a Hélio Ribeiro qual era a real intenção e aos poucos ficaram próximos. Daí surge o convite para uma participação de Chico no programa “O Poder da Mensagem”.

Chico relata que os corredores da Bandeirantes encheram-se de gente e eles fizeram o programa juntos.  Na saída do estúdio, o humorista foi ao banheiro e entendeu a razão da bronca de Hélio. Estava escrito no Mictório :

- Roberval Mija Aqui !

domingo, 13 de setembro de 2020

Interferência - Paulo Gracindo em início de carreira no rádio

A primeira transmissão de TV no Brasil aconteceu em 18 de setembro de 1950. Mesmo com o surgimento do novo meio de comunicação, o rádio permaneceu em sua fase de ouro até meados daquela década, com a prevalência de grandes produções. 


Em 1952, Paulo Gracindo era o galã da radionovela "O Direito de Nascer", onde vivia o personagem Albertinho Limonta. No humor, o ator também brilhava com a interpretação do Primo Rico, no "Balança mas não cai". Ambos os programas ganharam versões televisivas nos anos 1960. 

Aqui lembramos de uma passagem do quadro "Primo Rico, Primo Pobre", em que Gracindo dividia as atenções com Brandão Filho. Veja nesta edição do Interferência, quadro que é apresentado semanalmente no "Olá, Curiosos!", programa que dá continuidade ao tradicional "Você é Curioso?", que permaneceu no ar por 19 anos na Rádio Bandeirantes. 


A edição completa em homenagem aos 70 anos da TV você pode acompanhar neste link



sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A Guerra dos Mundos: vale a pena ver de novo!

Elenco da versão feita em 2014, no programa "Você é Curioso?". Da esquerda para a direita: Sérgio Miranda, Marcelo Abud, Silvania Alves, Marcelo Duarte e Warde Marx (Foto: Antonio Mier)

Olá, Curiosos! Acompanhe mais uma participação no programa que é transmitido todo sábado, das 10h ao meio-dia, no canal "Guia dos Curiosos" do Youtube:

Transcrição do áudio: Se hoje a literatura invade a web, não foi diferente nos primórdios do rádio. Em uma véspera de Dia das Bruxas, uma transmissão deixou os Estados Unidos em choque com a possível chegada dos marcianos à Terra. (Trecho do episódio de nº 100 da série Cold Case, com ênfase para áudio original da transmissão do radioteatro Mercury, em que foi apresentada "A Guerra dos Mundos") O radioteatro que aterrorizou a todos que sintonizaram a CBS em 30 de outubro de 1938 teve direção de Orson Welles. O jovem diretor e ator, que no cinema se tornaria conhecido pouco tempo depois por seu filme Cidadão Kane, havia criado uma adaptação para o livro “A Guerra dos Mundos”, de HG Welles, lançado em 1898.

(Trecho do filme "A Era do Rádio", de Woody Allen)

A estrutura da dramatização, feita como se uma reportagem interrompesse a programação da emissora para trazer um fato urgente e o fato de alguns ouvintes terem sintonizado a atração no meio, foram os motivos para que muitos acreditassem que o que estava sendo transmitido era de fato o fim do mundo. Em 2014, interferimos nesta história, com Warde Marx interpretando o repórter. Relembre no vídeo abaixo o radioteatro na íntegra:


A transcrição do áudio contido no vídeo acima, de 2014, além de uma série de outros links envolvendo essa história (incluindo o áudio original de 1938 e uma versão em português, com participação de William Bonner, quando era estudante de Comunicação na USP), você encontra nesta postagem comemorativa dos 80 anos de A Guerra dos Mundos